Colonização do Brasil
A ocupação humana do litoral brasileiro era, até a chegada dos europeus, indígena. Segundo dados publicados pela Funai, no ano 1500 a população indígena no território brasileiro era de aproximadamente 3.000.000 habitantes, sendo que aproximadamente 2.000.000 estavam estabelecidos no litoral do país, dispersos por toda sua extensão, e 1.000.000 no interior[1], principalmente próximos da bacia dos rios Paraná-Paraguai[2]. Portanto, todo o litoral brasileiro era ocupado por grupos indígenas. Segundo Fausto (1996)[2], a população indígena pode ser divida em dois grandes blocos: os tupis-guaranis e os tapuias.
Os tupis-guaranis estendiam-se por quase toda a costa brasileira, desde o Ceará até o Rio Grande do Sul. Entre esses, os tupis (também denominados tupinambás), dominavam desde o Ceará até o estado de São Paulo, e os guaranis localizavam-se principalmente na bacia Paraná-Paraguai e no trecho do litoral entre São Paulo (em Cananéia) e o extremo sul do território que hoje conhecemos como Brasil. Apesar dessa localização geográfica diversa dos tupis e dos guaranis, fala-se em conjunto tupi-guarani, dada à semelhança de cultura e de língua.
Em alguns pontos do litoral, a presença tupi-guarani era intercaladas por outros grupos, como os Goitacases na foz do Rio Paraíba, os Aimorés no sul da Bahia e no norte do Espírito Santo, e os Tremembés na faixa entre o Ceará e o Maranhão. Os tupis-guaranis chamavam essas populações de “Tapuias”, uma palavra genérica usada pelos tupis-guaranis para designar indígenas que falavam outra língua.
As populações indígenas que ocupavam o litoral praticavam a caça, a pesca, a coleta de frutas e a agricultura, e quando ocorria uma relativa exaustão de alimentos nessas áreas, migravam temporária ou definitivamente para outras regiões. Entretanto, pelo alcance limitado de suas atividades e pela tecnologia rudimentar de que dispunham, estavam longe de produzir efeitos devastadores de degradação ao meio ambiente, em grande escala ou prejudiciais como vemos hoje. Essa é uma realidade que só passou a existir na América após a chegada dos europeus.
Assim, após a chegada dos colonizadores portugueses em 1500, a discreta concentração populacional na costa que já existia se fortaleceu, só que a partir de agora com as populações europeias. Tal dinâmica de concentração populacional se dá por diversas razões:
- O Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, dividia o mundo em dois hemisférios, separados por uma linha imaginária que passava a 370 léguas léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde. As terras encontradas a oeste da linha pertenceriam à Espanha; as que se situavam a leste caberiam a Portugal. Com isso, após a chegada dos europeus o que se deu é que quase todo o litoral do Brasil pertencia a Portugal, enquanto que as terras do interior do continente pertenciam à Espanha.
- A exploração e, mais tarde, produção das matérias primas, no Brasil, era voltada para a exportação para Portugal, portanto as regiões próximas do mar seriam mais adequadas logisticamente.
- Em função da localização dos portos, já que o transporte, tanto de pessoas quanto de mercadorias, era na época feito somente por vias marítimas.
- As redes de transporte no interior do país eram incipientes, e havia um relativo isolamento das regiões, dificultando assim a movimentação de mercadorias caso viessem do interior do continente[3].
- A função de defesa do território brasileiro era extremamente necessária diante das constantes invasões de navios de outros países. O litoral tinha um papel fundamental para defender o território e os seus recursos.
Assim, a formação de núcleos de povoamento, que marcaram a consolidação da colonização, ocorreu na zona costeira. Esses povoamentos foram se transformando em núcleos urbanos e após certo período tornaram-sede cidades. Só tempos depois o interior foi progressivamente conquistado, abrindo a possibilidade da população se dispersar pelo sertão e realizar a produção de produtos primários demandados pelo mercado das metrópoles. Com isso, as cidades litorâneas passaram a ter a função de entreposto, armazenando a produção agrícola que chegava das cidades próximas, e enviando para a exportação - assim como eram os mercados de distribuição europeus. Praticamente todos os atuais estados brasileiros banhados pelo mar seguiram esse modelo, desde o Rio Grande do Sul ao Pará (com as exceções do Paraná e de São Paulo, cujo relevo dificultava a comunicação do interior com a costa, e do Piauí, de litoral exíguo).
Porém, tal dinâmica de concentração populacional, que privilegia a zona costeira, persiste até hoje. Segundo o IBGE, em 2017, cerca de 58% da população brasileira estava localizada numa faixa de 200 km de distância do litoral.
Colonização e a degradação da Mata Atlântica
Nos anos iniciais, após a chegada dos portugueses e principalmente até o ano 1535, as primeiras tentativas de exploração dos recursos naturais se resumiam basicamente na extração do pau-brasil, fazendo com que os primeiros locais ocupados, as feitorias, fossem aqueles que tinham abundância dessa madeira e logística adequada para sua exportação. Calcula-se que, desde aquela época, cerca de 70 milhões de árvores foram retiradas das matas brasileiras. No final de 1875, restaram poucas árvores, devido à extração sem qualquer reposição[4].
A extração dessa árvore foi tão desenfreada que após certo tempo não atendia mais a demanda vinda da Europa, surgindo então o interesse por novas culturas, e desaparecendo, assim, o extrativismo do pau-brasil[4]. Entretanto, por mais degradante e intenso que tenha sido, o corte dessa madeira provocou danos menores ao meio ambiente se comparado com a exploração que se sucedeu, focada no cultivo da cana-de-açúcar[5].
Em 1534, foram instituídas as capitanias hereditárias, a primeira divisão territorial e administrativa implantada pelos portugueses na América Portuguesa. O Brasil foi dividido em 15 grandes lotes de terras, doados em caráter vitalício e hereditário aos donatários, que ficaram responsáveis pela colonização e exploração da terra. Desde o início da repartição das Capitanias Hereditárias, ficou evidente o interesse da do governo português na instalação da indústria açucareira. Assim, os donatários recebiam privilégios jurídicos e fiscais para a implantação de engenhos[6].
Ocorre que o plantio de cana-de-açúcar é uma das formas de uso do solo mais degradantes que existem. Inerente a isso, Drummond (1997)[7] afirma que a floresta tropical foi tratada como “uma inimiga natural a ser derrotada”, pois para os portugueses a civilização só poderia ser conquistada com agricultura e pecuária, sendo necessário o desmatamento. Assim, a floresta foi sendo progressivamente queimada e desmatada, sem qualquer senso de preservação.
Dessa forma, vê-se que no Brasil Colônia, tendo em vista sua extensão territorial, a reduzida ocupação, e o tamanho da diversidade da fauna e da flora, os recursos eram tidos como inesgotáveis, por mais predatória que fosse a exploração[8].
Portanto, a história de devastação da Mata Atlântica se intensificou logo no início da colonização do Brasil, e de todos os biomas do Brasil, ela é hoje o mais destruído. Tanto a exploração do pau-brasil como os ciclos econômicos da cana-de-açúcar, do algodão e do café se concentraram na Mata Atlântica. À época da chegada dos portugueses, em 1500, essa floresta se estendia contínua por mais de 1.300.000 km2, o que corresponde a cerca de 15% do atual território brasileiro. Ela se estendia por toda a costa brasileira, desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul, adentrando o interior do território brasileiro na região dos estados da Bahia, Minas Gerais e São Paulo. Desde 1500 até os dias de hoje, no entanto, a área de mata foi reduzida a aproximadamente 7% da sua área original, que se encontra fragmentada e reduzida a pequenos vestígios de sua área original de ocorrência.
Ademais, além do desmatamento, outros impactos no litoral também referem-se:
- Ao despejo dos resíduos da produção da cana-de-açúcar nos rios e lagos, comprometendo seriamente a qualidade dos corpos d’água e a biodiversidade presente neles.
- Ao tráfico de animais vivos e de peles para o consumo na Europa, que contribuiu para a perda de biodiversidade das florestas litorâneas e com consequentes desequilíbrios ecológicos provocados pela diminuição de algumas espécies de animais das cadeias alimentares existentes na Mata Atlântica[9].
No que se relaciona à Amazônia Azul, o próprio nome da Mata Atlântica já resgata seu vínculo com o mar. É partindo da costa do Oceano Atlântico que a mata avança Brasil adentro. Dos estados em que a Mata Atlântica está presente, 14 são banhados pelo Oceano Atlântico: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, e Piauí. Apenas os estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais não se limitam com o Atlântico.
A Mata Atlântica é fruto direto da umidade trazida pelo Atlântico e mistura-se a ele em ricos estuários cobertos por extensos manguezais, recifes de corais, ilhas costeiras e oceânicas. Mamíferos e aves migratórias aumentam essa permanente interdependência, assim como os caiçaras caiçaras, jangadeiros jangadeiros e outros povos e comunidades tradicionais costeiras que plantam em terra e pescam no mar (LINO, 2003).
Por isso, a degradação irreversível da Mata Atlântica, que começou na colonização, pode trazer fortes consequências também para a Amazônia Azul.
- ↑ FUNAI. Povos indígenas: Quem são. 2013. Disponível em: <https://www.gov.br/funai/pt-br/atuacao/povos-indigenas/quem-sao>. Acesso em 16. mar. 2022.
- ↑ 2,0 2,1 FAUSTO, B. HISTÓRIA DO BRASIL: História do Brasil cobre um período de mais de quinhentos anos, desde as raízes da colonização portuguesa até nossos dias. Edusp. 1996. Disponível em: <https://www.intaead.com.br/ebooks1/livros/hist%F3ria/12.Hist%F3ria%20do%20Brasil%20-%20Boris%20Fausto%20(Col%F4nia).pdf>. Acesso em 16. mar. 2022.
- ↑ PANIZZA, A. C.; ROCHA, Y. T.; DANTAS, A. O litoral brasileiro: exploração, ocupação e preservação – Um estudo comparativo entre regiões litorâneas dos Estados de São Paulo e Rio Grande do Norte. Curitiba, n. 17, p. 7-16, 2009. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/raega/article/view/10271/10661>. Acesso em 12 de ago. de 2021.
- ↑ 4,0 4,1 D’ AGOSTINI, S. et. al. Ciclo econômico do Pau-Brasil Caesalpinia Echinata Lam.; 1785. Inst. Biol., São Paulo, v.9, n.1, p. 15-30, jan./jun., 2013.
- ↑ ROCHA, Y. T.: Ibirapitanga: história, distribuição e conservação do Pau-Brasil (Caesalpinia echinata LAM., LEGUMINOSAE) do descobrimento à atualidade. 394f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
- ↑ RODRIGUES, G.S.S.C., ROSS, J.L.S. Inicia-se o percurso da cana-de-açúcar no Brasil. In: A trajetória da cana de açúcar no Brasil: perspectivas geográfica, histórica e ambiental. Uberlândia: EDUFU, 2020, p. 13-66.
- ↑ DRUMMOND, José Augusto. Devastação e preservação ambiental: os parques nacionais do Estado do Rio de Janeiro. Niterói: EdUFF, 1997. 298 p. (Coleção Antropologia e Ciência Política, 2).
- ↑ SCHWARTZ, M. W.; IVERSON, L. R.; PRASAD, A. M.; MATTHEWS, S. N.; O’CONNOR, R. J. Predicting extinctions as a result of climate change. Ecology 87:1611– 1615.2006
- ↑ BARRETO, Marcos Pinheiro. A MATA ATLÂNTICA E O ENSINO DE HISTÓRIA: da pré-história ao período colonial brasileiro. Movimento-revista de educação, Niterói, ano 4, n.6, p.272-305, jan./jun. 2017.